segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Uma breve história do tempo

Num livro de biologia, encontrei uma frase que dizia que a água é um poderoso solvente, e que "é difícil imaginar a vida tendo alguma outra base que não a água".

Curioso... Para mim, o tempo é a base de toda a vida, e é certamente um solvente mais poderoso que a água: dissolve tudo e todos - até mesmo as pirâmides do Egito, sob a ação do tempo, se juntarão às areias que as circundam de maneira que nunca mais poderão ser encontradas. E eu, ou você que lê essas linhas, e todos que vivem hoje, em breve não seremos nada mais que gotas de volta ao oceano de pó de onde saímos, dissolvidos pela simples passagem do tempo.

O tempo é mais que um rio a fluir continuamente: é um oceano.

(imagem: uma praia qualquer, na Wikipedia)

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

As nuvens


Eu queria construir, com palavras, algo que fosse tão leve e colorido quanto uma borboleta, tão sólido quanto um raio de sol. Mas assim que eu começo a unir as minhas palavras, as frases vão caindo como as pedras de uma chuva de granizo, frias e sem vida.

Acho que preciso voltar a ler as nuvens e, talvez, escrever usando penas.

(imagem: cirros, na Wikipedia)

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Os trabalhadores do mar

O mar: ouvi ontem o apresentador de um documentário do "The History Channel" dizer que mais de 90% do leito dos oceanos não foi ainda mapeado. Não sei de onde ele tirou esse número, mas parece razoável. Sendo verdade tal estimativa, é possível que a humanidade conheça melhor a superfície de Marte do que o fundo dos oceanos da Terra.

Conhecer o fundo das coisas é difícil. Acho que é por isso mesmo que vivemos pela superfície do mundo, satisfeitos com a imagem que ela nos passa. Mas eu acho - eu creio que sei - que no fundo é que se esconde a verdade.

Que verdade? Bem, para dar um pequeno exemplo, também ontem, no "Canal Brasil" vi um trecho curto de um documentário antigo, da TV Manchete ("Documento Verdade"), que apresentava o 'renascimento' do nazismo no Brasil. O programa em si era exagerado, mas documentários sobre o nazismo, que é comumente mostrado (com razão) como a encarnação do mal, sempre levantam a questão do fascínio das pessoas pelo mal.

Daí, aprendi ontem ainda, de passagem em outro canal, o "Discovery Channel", que na década de 60 um psicólogo, Stanley Milgram, fez uma série de experimentos muito reveladores sobre o poder da autoridade nas pessoas. Nesses experimentos professores voluntários eram convidados a avaliar alguns alunos para testar se punições físicas, no caso choques elétricos dados por uma máquina, podiam influenciar na aprendizagem. É claro que os choques eram falsos, assim como os alunos e seus sofrimentos, mas os professores voluntários não sabiam disso. O resultado mais interessante não foi que os professores decidiram participar e impor castigos aos alunos, mas que, por pura obediência aos 'donos' do laboratório, eles aplicavam o que eles imaginavam ser choques potencialmente letais aos seus alunos...

Milgram concluiu que

"Pessoas comuns, apenas fazendo seu trabalho, e sem qualquer particular traço de hostilidade, podem se tornar agentes em um terrível processo destrutivo. Além disso, mesmo quando os efeitos destrutivos de seu trabalho se tornam patentemente claros, e eles são então solicitados a continuar com ações incompatíveis com padrões fundamentais de moralidade, relativamente poucas pessoas têm os recursos necessários para resistir à autoridade."

Isso me fez lembrar de dois filmes antigos, da década de 90, "Uma cidade sem passado" e "O aprendiz" (é curioso que poucos façam a ligação entre o conteúdo desse último filme e um reality show popular de mesmo nome - acho que existe muita coisa em comum).

Mas, para fechar com um pouco mais de brilho o domingo, eis o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, na "Folha de São Paulo":



"Se você acua um gato num quarto escuro, dizem, não tem uma forma de expressão. Em Origens do Totalitarismo, quando você lê os relatos que a Hannah Arendt faz do fascismo, é claramente de um povo que se sentia acuado, economicamente, social e politicamente. O totalitarismo não permite que o indivíduo se exprima. Gera a violência. Isso é muito perigoso. Fico assustado quando vejo esse tipo de reação. A reação correta é construir um ambiente de diversidade. Não é um demônio adversário, em cima do qual você joga toda responsabilidade."

Vivemos num ambiente de diversidade? Eis um texto que li recentemente, acho que no "Estado de São Paulo", e que imagino refletir com clareza o pensamento diversificado do mundo atual:



"Hoje, nem seria preciso dizer, a história está clara para quem quiser ver. Na prova sobre capítulo 18 de a História da Riqueza do Homem deveria tirar nota dez o aluno que escrevesse: a história, tão cara para Huberman, o traiu completamente; o colapso foi do socialismo e o inevitável é o capitalismo."

Isso me lembra uma série de TV iniciada na década de 60, "Jornada nas Estrelas", onde os inimigos da Terra, os klingons, nada mais eram que uma caricatura dos comunistas soviéticos. Na versão mais nova da série, a "Nova Geração", os grandes monstros passaram a ser os borgs, alienígenas dominadores que apenas informam a quem irão 'assimilar' (isto é, destruir): "resistance is futile"... Quem representa, no mundo real de hoje, o papel dos borgs?


Enfim, eu divago. Sobre o que eu queria falar mesmo? Ah! Lembrei: o mal existe, não é um conceito abstrato, vago e distante. E mesmo estando no fundo, não é difícil trazê-lo à superfície. Basta só um pouco de vento soprando ou, pior, quem queira remexer o leito do oceano.


(imagem: O sonho da razão produz monstros, gravura do pintor espanhol Goya)

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Triste fim de Policarpo Quaresma

Há cerca de um ano fui ao Museu do Ipiranga, com uns amigos vindos de Mato Grosso, que visitavam São Paulo pela primeira vez. A primeira vez em que estive lá eu era um garoto de 6 ou 7 anos, e acompanhava a turma de minha escola, da periferia da Grande São Paulo.

É, o Brasil é um país grande, como São Paulo é grande, e o Mato Grosso maior ainda. Mas não sei se há muita grandeza por aqui.

Exemplos não faltam, sem se pensar na classe política, que não devia merecer atenção em lugar algum do mundo: pessoas (ricas) que se divertem jogando ovos podres em passantes, rapazes (ricos) que se divertem espancando prostitutas e/ou domésticas, pessoas que põem fogo em mendigos, um patrão que rouba a única chance de um empregado enriquecer, o contraste entre a exaltação 'heróica' dos mortos de um acidente de avião e o esquecimento puro e simples dos mortos em um acidente de trem... É interessante dirigir, em qualquer cidade ou estrada brasileira, obedecendo ao limite de velocidade, e ver quantos carros (que não são de pessoas pobres ou deseducadas) passam em velocidades mais altas.

Mas, é claro que como cereja do bolo vem a conclusão - em uma pesquisa - de que o pior do Brasil é o povo.

Me lembro do personagem Policarpo Quaresma, de Lima Barreto que, major, trabalhando como subsecretário do Arsenal de Guerra, patriota ao extremo, teve um fim triste, pois "fora bom, fora generoso, fora honesto, fora virtuoso - ele, que fora tudo isso, ia para a cova sem o acompanhamento de um parente, de um amigo, de um camarada..." E foi assim que o bom e velho Lima Barreto criou um personagem a cada dia mais e mais absurdo: me parece que com o tempo se torna mais inverossímil crer que exista ou possa ter existido, mesmo que no terceiro ou quarto escalão da 'elite' brasileira, um único personagem imbuído de patriotismo, honestidade e virtude.

Na verdade, imagino que a honestidade e virtude aqui, se ainda existirem, devem ser qualidades em extinção, as únicas propriedades de quem não tem mais nada, ou estejam talvez nalgum museu, já que os 'vivos' desse país - que não são tantos assim, mas que têm muito ("em um ranking mundial que inclui 126 nações, o Brasil ainda aparece com a 10ª pior distribuição de renda, atrás de países como Haiti") - não precisam disso.

(imagem: fachada do Museu do Ipiranga, em São Paulo, numa foto minha)

terça-feira, 4 de setembro de 2007

A morte em Veneza

Eu estive em Veneza, há muito tempo... Eu era jovem e muita coisa parecia possível. Fui ao palácio do Doge, andei entre os pombos na praça San Marco, passeei de 'vaporetto' para cima e para baixo, vi igrejas e pinturas, e fugi da overdose de cultura, indo à praia, no Lido.

Veneza é uma cidade charmosa, não há como negar. Mas não é pelas construções e pelas pinturas e palácios e museus. Não. O charme de Veneza é a presença ubíqua do mar, o mar que está em toda parte, o mar que tanto me faz falta agora, tão distante dessa cidade de ar e águas sujas em que hoje me encontro.

Se eu pudesse iria para lá hoje, em férias, só para permitir que o "êxtase do mar e do brilho do sol" despertassem em mim uma sensação que só é causada pela beleza, a sensação de se estar vivo, com o cuidado de não me embriagar demais...

(imagem: Entardecer em Veneza, Claude Monet)

domingo, 2 de setembro de 2007

O mito de Sísifo


Causou algum celeuma esta semana a notícia de que Madre Teresa de Calcutá teria tido crises de fé. Em diferentes cartas ela teria expresso de diferentes formas um mesmo desespero: "Por favor reze especialmente por mim para que não estrague a obra d'Ele e que Nosso Senhor possa se mostrar - pois há uma escuridão tão terrível dentro de mim, como se tudo estivesse morto".

Passei metade do sábado num hospital público, acompanhando uma moça boliviana de 18 anos que, sem quase falar português, e logo depois de se tornar uma mãe solteira, precisou ser internada com uma infecção no útero, que ela teimava em esconder, tal como tinha escondido sua gravidez.

Não, a iniciativa de levar a moça ao hospital não foi minha. Eu apenas servi de motorista. Achei um gesto bonito que alguém se preocupasse com ela, e acompanhei a empreitada. Mas...

Ajudar seres humanos doentes é como enxugar gelo. É um trabalho interminável. Nas quase 6 horas que fiquei no hospital, entraram zilhares de pessoas com os mais diferentes problemas: acidentes, brigas, doenças diversas.

Não creio que a moça boliviana, quando curada, vá se tornar uma pessoa que mais ajude a resolver do que a causar dificuldades. Não vejo na maioria da pessoas a capacidade de viver sem dificuldades. E acho que Madre Teresa de Calcutá, cercada pela pobreza de Calcutá, deve ter sentido isso claramente.

Ajudar as pessoas é pior que enxugar gelo: é como limpar com água as feridas de alguém com hanseníase - não resolve nada. É como o trabalho do titã Sísifo, que é condenado pelos deuses do Olimpo a eternamente rolar para o alto de uma montanha uma rocha que, ao chegar lá, rola para baixo novamente, obrigando-o a recomeçar.

A vida humana é absurda, e o único assunto filosófico sério é o suicídio. E o heroísmo seria, vendo o absurdo, continuar vivendo. Não, não é heroísmo, é simplesmente estupidez, ou falta de opções, ou pior, instinto de sobrevivência - a natureza sempre fala mais alto. E, nós, homens, proliferamos como moscas...

"Et c'est bien là le génie : l'intelligence qui connaît ses frontières."

(imagem: Sísifo, por Ticiano, século XVI)

Utopia


Não sei ao certo quando, mas um dia desses acordei com o nome de três lugares em minha cabeça: Latvéria, Cafiristão e San Marcos. Pouca gente deve ter conhecido ou se lembrar desses lugares, mas eu não os inventei: eles estão lá na Wikipédia. Como o motivo de eu me lembrar do Cafiristão é um pouco interessante, acho que vale umas linhas.

Uma noite, ao chegar em casa do trabalho, li num jornal que na TV, mais tarde, haveria um filme, "O homem que queria ser rei", cuja história se passava lá. Eu tinha que levantar antes das 7 da manhã para entrar no trabalho às 8, e o filme começaria às 2 da manhã. Eu não tinha vídeo e, na época, esse filme não podia ser encontrado em locadoras. Então criei coragem e fiquei acordado até o fim.

No dia seguinte, fui trabalhar com a convicção que meu trabalho não valia a pena. Melhor seria para mim e para o mundo se eu tentasse ser rei em algum lugar distante, mesmo que imaginário, mesmo que sem conseguir.

Previsivelmente, hoje não sou rei. Vivo como mais um serviçal de um templo dominado por uma burocracia de sacerdotes que podiam ser advogados ou empresários, sem amor à religião que praticam. São homens de método, sem espírito. Que método e espírito são esses? Oras, "o espírito científico, fortemente armado com seu método", que "não existe sem a religiosidade cósmica", a qual "consiste em espantar-se, em extasiar-se diante da harmonia das leis da natureza".

Acho que é isso: sou um utópico, vivendo por palavras, idéias e lugares que ninguém conhece.

(imagem: ilustração para Utopia, livro de Thomas Morus)

sábado, 1 de setembro de 2007

Eu, robô

Bem, hoje é sábado, que é dia de feira na porta de minha casa. Fui a ela e aproveitei para ir à banca de revista também. Xeretando, me chamou a atenção a capa da revista "Galileu", onde se podia ler "Você, animal - agimos por instinto tanto quanto os outros bichos".

Fiquei curioso, comprei a revista e achei o texto muito bem feito, o que, pela minha experiência, não é comum em uma revista brasileira. Bingo! Fuçando na internet, encontrei um texto que discute o papel da consciência no comportamento humano (há gente fazendo pesquisa sobre isso!), retirado da revista "New Scientist": é o mesmo texto da "Galileu"...

De qualquer forma, a idéia básica do texto é que "talvez a melhor forma de entender o comportamento humano seja ignorar o lado racional", pois "provavelmente não somos os sábios racionais que pensamos ser": "muito do comportamento humano é automático e determinado somente pelo instinto". Muito? Quanto é muito? "Quase tudo que fazemos é automático", ou, nas palavras de um dos pesquisadores entrevistados no artigo, "Estou cada vez mais inclinado a concluir que a consciência é algo sem importância".

Exageros à parte, é fácil ver que na maior parte do tempo somos robôs animais. Robôs controlados por nossos genes, provavelmente, fingindo ou - pior - acreditando que somos muito mais que isso.

Tal visão não me agrada mas, em tudo que me cerca, sou forçado a aceitá-la - ela me invade como um cheiro que a tudo permeia, e que aparentemente quase ninguém mais parece sentir. Pena: desse modo não vejo se abrir a porta para qualquer possibilidade de redenção da humanidade a curto ou médio prazo.

Fico com a impressão de que Sócrates, com seu "conhece a ti mesmo", uma novidade de 2400 anos de idade, não seria condenado hoje. Acho que ele não seria sequer ouvido: ninguém parece querer se conhecer de verdade.

(imagem: A morte de Sócrates, de Jacques-Louis David, século XVIII)